O garoto que mudou meu mundo

Foi há 20 anos que Agenor de Miranda Araújo Neto nasceu. É bem provável que escutando esse nome você pense que não sabe de quem eu estou falando, mas bem, na verdade você sabe sim. Provavelmente você conhece ele como Cazuza, apelido que recebeu ainda quando criança e que adotou ao longo de toda sua vida pessoal e profissional. Falar sobre a vida de Cazuza é falar sobre um tiro disparado no espaço, sobre um salto do alto de um prédio, sobre uma linha imaginária e uma oscilação constante no caminhar sobre a mesma.

Nadando contra a corrente sempre, Cazuza era de classe média alta, tinha uma mãe coruja e um pai presidente de uma das maiores gravadoras do país, a Som Livre. Caju, como era chamado pelo amigos, era burguês – por isso sabia bem como a burguesia fede – porra-louca, curioso e insaciável.

Desde pequeno freqüentou a casa dos grandes compositores da música popular brasileira: Tom Jobim, Vinícius de Moraes e um rol de nomes que são responsáveis pelas mais belas canções nacionais. No entanto, diferente das belas músicas que ouvia e compunha – como Faz parte do meu show – a vida do menino não era tão bela assim. Foi tentar encontrar a si mesmo nas drogas, no álcool, numa vida bem longe dos limites do racional. O menino não tinha limites… provou de tudo, disparou contra o sol e começou a se descobrir como compositor.

Caetano Veloso escutou uma de suas composições, a belíssima “Todo o amor que houver nessa vida” e cantou ela, pela primeira vez, em pleno Circo Voador no Rio de Janeiro, anunciando que aquela era a música do novo grande compositor brasileiro. E foi.

Primeiro com o Barão Vermelho e a energia daqueles meninos que chacoalharam o Rock in Rio 1985 com Bete Balanço, e depois em carreira solo pedindo ao Brasil, mostra tua cara.

Desde que eu me entendo por gente escuto Cazuza. Li biografias, tenho letras de músicas que nem foram gravadas em casa e escuto sempre o menino que mudou meu mundo. O fato de gostar de Cazuza não me faz ficar de olhos tampados para as coisas que ele fez em sua vida. Nunca vi sua conduta pessoal como exemplo pra ninguém, até porque esse “exemplo” é de alguém que morreu com 32 anos de idade e que, se tivesse agido de forma diferente, poderia estar por aqui até hoje contra a velocidade da luz, já que nada te impede de ser intenso sem ser inconseqüente.

Mas o menino que mudou meu mundo transformou suas angústias, seus medos, sua fome de vida nas músicas que mais me emocionaram, que mais me fizeram sentar no canto do quarto e cantarolar “É eu preciso dizer que eu te amo, te ganhar ou perder sem engano”. Foram nas músicas dele, na ansiedade em abraçar o mundo, em ter olhos de caleidoscópio, que encontrei muito dos meus medos, das minhas paixões, das minhas fraquezas.

Quando lançaram o filme Cazuza – O tempo não pára foi algo lindo de se ver, ouvir, sentir. A escolha de Daniel de Oliveira para o papel principal não poderia ser mais acertada. Interpretou Cazuza com a alma de Cazuza. Segundo o próprio Daniel, uma imagem gigantesca do cantor ficava colada na parede do seu quarto, pra acordar e já dar de cara com aquela que seria sua vida pelo resto do dia. Um fato curioso foi a seleção realizada para o filme: os atores testados recebiam um exame com resultado positivo de HIV em seu nome e os diretores avaliavam a reação subseqüente. Com olhos vidrados, Daniel mastigou e engoliu a folha inteira do exame.

Mas Cazuza – O tempo não pára tem uma falha grave. Como não falar de Ney Matogrosso na vida de Cazuza? Como não falar de uns dos maiores amores, amigo, cúmplice e confidente do cantor? Os motivos que fizeram a participação fundamental de Ney Matogrosso ter sido escondida no filme tem versões tortuosas até hoje. O fato é que faltou o Ney, e isso era fundamental.

Quarta-feira, 07 de junho de 2010 fez exatos 20 anos de morte de Cazuza. Coincidência ou não, Ezequiel Neves morreu no mesmo dia, vítima de um câncer que descobrira em janeiro do mesmo ano. Amigo, agenciador, poeta e compositor de músicas em parceria com o Caju – como Exagerado – Ezequiel Neves foi-se embora, mas não sem deixar de dizer: “Desde o dia que Cazuza morreu a maior presença na minha vida é a ausência dele”